Debater “Itabapoana” sob a ótica do homem branco, é alimentar um erro histórico

Definitivamente, o rio teve mais de um nome na mesma época, pelo fato dos índios serem os autores das nomenclaturas

Dentro do círculo redondo, temos um platô arredondado em uma pequena colina, na margem do rio Itabapoana em Calheiros, 2º distrito

Atualizado em 14/12/2020 - 21:17h

Certamente que este artigo é uma tréplica de uma publicação do dr. Antônio Soares Borges, referente a uma abordagem minha com uma ótica contextualizada sobre a inspiração dos índios para denominar o rio Itabapoana, ele que é um historiador que nos contempla com valorosas contribuições acerca das pesquisas historiográficas sobre a vida de Padre Mello em Bom Jesus do Itabapoana...

...pelo fato dele ser o detentor pessoal do mais vasto acervo documental do próprio vigário enquanto viveu em BJI, portanto, enquanto ele mantiver todo este acervo sob seus domínios privados, ele é a única pessoa credenciada a falar sobre Padre Mello...

...já sobre a historiografia do rio Itabapoana, perdoe-me pela franqueza, mas o nobre historiador entrou em uma seara a qual ele não se atentou sobre um fator preponderante para chegarmos a uma tradução precisa sobre o significado da palavra “ITABAPOANA.

O erro cometido pelo dr. Antônio e por todos os pesquisadores desde o século XIX, foi ter conjecturado sobre as variáveis dos nomes dado ao rio sob a ótica do homem branco, para todos esses personagens que escreveram ou conjecturaram sobre o nome “Itabapoana”, eles consideravam que o rio sempre teve um único nome em todo seu percurso...

...como se ele tivesse sido denominado por Manajé, Muribeca, Cabapoana, Camapoan, Camapoana e Itabapoana em tempos distintos e com cada nomenclatura prevalecendo em todo percurso do rio, e definitivamente não se trata disso, pois se tivemos os índios como os criadores desses nomes, indiscutivelmente que esses se inspiraram nos limites de seus territórios...

...como os nomes Managé e Muribeca serem inspirados pelas paisagens e o contexto ambiental do rio nas proximidades da foz, o Cabapoana e Camapoan ou Camapoana inspirados pela região no entorno de Santo Eduardo com a Pedra do Garrafão sendo a fonte de inspiração central.

Em 1873, Manoel Basílio Furtado, que é a principal fonte do dr. Antônio, tem a primeira informação sobre o nome do rio Itabapoana, quando ele percorreu entre Varre-Sai e Bom Jesus/sede, chegando a traduzi-lo, sem mencionar qual o tronco linguístico utilizado na tradução.


Permaneço afirmando
na tese de que o nome ITABAPOANA nunca foi uma variável indígena ou adaptação linguística do homem branco, e sim um nome original dado pela tribo Puri que vivia em Calheiros, e para tanto, vou utilizar do próprio material historiográfico contidos em duas publicações do dr. Antônio para dissertar a respeito...

...com a primeira demonstrando que em sua mais recente postagem sobre o tema, ele somente utilizou documentos relacionados a capitania hereditária de Vasco Coutinho, que era o donatário da capitania do Espírito Santo, com abrangência entre os rios Mucuri, no norte próximo a divisa com a Bahia, e ao sul no rio Itapemirim...

...e seu epicentro de exploração era concentrado até Anchieta, e não em nossa região, tanto que jamais se registrou qualquer expedição no rio Itabapoana por parte deste donatário, apenas informações superficiais sobre a abrangência da capitania.

Outra fonte de argumentação utilizada pelo historiador, está no livro "Itinerário da Freguesia do Senhor Bom Jesus à Gruta das Minas do Castelo-ES" de Manoel Basílio Furtado, que realizou uma expedição passando pelo rio a partir do encontro entre os rios São João e Preto até nas proximidades da foz, no ano de 1873, e seus relatos confirmam minha tese, de que ele também se equivocou ao concluir a denominação do rio partindo de sua ótica de homem branco... 

...ao passo que no início da expedição o nome “Itabapoana” foi a primeira denominação identificada por ele no rio, não por acaso, entre Varre-Sai e Bom Jesus/sede, identificando ainda as cachoeiras do Bálsamo de Rosal, da Fumaça de Calheiros e a do Inferno na Barra do Pirapetinga, chegando ele a traduzir o nome como “Rio da aldeia redonda”.

Basílio Furtado somente veio a mencionar os nomes Camapoan ou Cabapoana quando ele chegou no trecho do rio localizado na planície a partir de Santo Eduardo, inclusive com ele relatando que ouviu de um índio Coroado nessa região o nome de Camapoan, constatando ele de maneira equivocada que o “Itabapoana” seria um nome “moderno” ou que seria de autoria dos homens brancos, e que o nome original seria "Camapoana"... 

...sem apresentar nenhuma argumentação substanciada para sustentar tal tese em seu livro, ele apenas especulou que o nome “Itabapoana” seria uma denominação moderna ou recente derivada de “Camapoana”, detalhando eu que ele sequer mencionou que o rio também se chamara “Muribeca” pelos indígenas, e não um nome de uma aldeia como ele relatou...

...caindo no erro grave ao acreditar que o rio tinha o mesmo nome em toda sua extensão, e obviamente que não, pois beira o surreal acreditar que os índios Puris que viviam em Calheiros poderiam serem influenciados pela paisagem da Pedra do Garrafão em Santo Eduardo, e assim eles também adotarem o nome “Camapoana” como fizeram os índios Coroados, ou os Goytacazes do litoral com o nome “Managé”.

O livro de Manoel Basílio Furtado não pode de forma alguma ser o norte para debatermos os nomes do rio Itabapoana, ele tinha outro objetivo em sua expedição, que era chegar até a Gruta das Minas do Castelo no ES, e aqui em Bom Jesus do Itabapoana ele apenas relatou suas observações em sua passagem...

...e mesmo assim seu livro demonstra informações não condizentes com a cartografia oficial do rio que já existia desde 1865, como por exemplo ele cita os rios Preto e São João como afluentes do Itabapoana, e esses dois rios são na verdade os formadores que geram o Itabapoana, e jamais tiveram a condições de "afluentes" ou "tributários"...

...bem como ele erra ao afirmar em 1873 que "Muribeca" seria o nome de uma aldeia, sendo que em 1785 Manoel Martins do Couto Reis identificou esta nomenclatura como uma das duas denominações do rio que ele apurou em sua expedição, muito provavelmente que ele ouviu a palavra dos próprios índios.

O livro de Basílio Furtado trata o rio com a denominação de Itabapoana quando o naturalista percorreu o rio entre Varre-sai e Bom Jesus, mudando a denominação somente a partir de Santo Eduardo.

Outra publicação historiográfica veiculada no blog do dr. Antônio Soares Borges, reporta sobre a história do alferes Francisco da Silva Pinto, que foi um dos primeiros desbravadores, senão o primeiro a chegar em Bom Jesus, mais precisamente em Calheiros provavelmente nos idos de 1830...

...estando ele ausente de Bom Jesus durante o período da chegada de Antônio José da Silva Neném em 1842, que viveu por aqui até aproximadamente 1850, e neste período da chegada de Neném, Silva Pinto estava preso pelo seu envolvimento na Revolução Liberal...

...retornando da prisão e de MG depois da partida de Silva Neném, Silva Pinto em 1860 mobilizou outros onze cotistas para comprar as terras do desbravador que havia partido em 1850, para o grupo fundar a "Freguesia do Senhor Bom Jesus do Itabapoana", substituindo o primeiro nome que era “Bom Jesus do Campo Alegre”, dado por Antônio José da Silva Neném.

Basílio Furtado somente identifica os nomes Camapoan ou Camapoana ao chegar na planície, nas proximidades de Santo Eduardo, sendo que ele não apontou de onde ele encontrou o termo "I-camapoana", sendo que nas expedições dos séculos XVI e XVII, ouviu-se dos próprios índios os termos sem o prefixo "I" de rio.

Observem que em toda historiografia envolvendo a fundação da freguesia de Bom Jesus, o termo Itabapoana é o referencial do rio que banha o arraial desde o início de 1860, justamente por influência de Silva Pinto, e possivelmente também pelos tropeiros que chegavam da região serrana com destino ao Porto de Limeira, por Silva Pinto ter chegado aqui primeiramente em Calheiros, e ele sempre teve a denominação do rio como Itabapoana pela influência indígena da época do início da exploração em nossa região por volta de 1830,... 

...ao passo que os homens brancos, muito provavelmente os tropeiros que vinham de Minas Gerais, denominavam como “Rio Preto”, chegando o nome de Calheiros na época ser Santo Antônio do Rio Preto e posteriormente no final do século XIX chamou-se "Santo Antônio do Itabapoana", sendo esta uma constatação cabal de que o nome “Camapoan” ou “Cabapoana” jamais foram mencionados em nossa Serrana-BJI...

...por isso afirmo categoricamente que o nome ITABAPOANA sempre existiu no eixo Rosal/Bom Jesus, e as demais denominações relacionadas a Pedra do Garrafão são restritas a região onde se localiza o monumento natural, entre Santo Eduardo e a antiga Vila da Rainha.

Concluindo a dissertação, recordo aos leitores que a fonte principal de informação utilizada pelo dr. Antônio para sustentar a tese de que o nome “Itabapoana” seria uma derivação do nome “Camapoan”,...

...e que, no entendimento dele seria o nome original inspirado pela Pedra do Garrafão, é o livro “Itinerário da Freguesia do Senhor Bom Jesus as Grutas das Minas do Castelo”, autoria de Manoel Basílio Furtado, conforme abordado acima...

...e eu utilizo como fonte de raciocínio os relatos contidos no primeiro, de oito artigos publicados pelo professor Arthur Sofiatti, um dos mais conceituados historiadores ambientais do país, denominados como “Memórias do Itabapoana”... 

...no qual ele traz registros documentais a partir de 1547 com relatos de Pero de Góis, o donatário da Capitania de São Tomé, e que foi o primeiro a explorar o rio a partir da foz, muito antes da expedição que resultou no livro publicado em 1884 por Basílio Furtado.


Reafirmo finalizando, que se constitui em um erro grosseiro em insistir pesquisar a historiografia das denominações indígenas do rio Itabapoana sob a ótica do homem branco, de uma época em que se preconizava pela extinção em massa dos índios em vez de tentar comunicar com eles de forma pacífica preservando a cultura indígena...

...chegando a conclusões estapafúrdias como a de que o rio tinha as mesmas denominações indígenas em toda sua extensão, mesmo tendo três tribos diferentes ao longo de seu percurso, ficando a hipótese absurda que os índios se comunicavam entre si e adotavam a mesma denominação mesmo vivendo em regiões com paisagens totalmente distantes, e distintas em suas características. 

Nas imagens abaixo, temos os trechos que mencionam as expedições no rio Itabapoana a partir de 1547, na pesquisa realizada pelo professor Arthur Sofiatti em 2013, intituladas como "Memórias do Itabapoana".

Em 1545 temos registrado o primeiro nome do rio Itabapoana, que se chamava "Managé" partindo da foz até onde hoje se localiza a comunidade de Espírito Santinho, partindo do pressuposto de que ele percorreu no máximo dez léguas, que corresponde a aproximadamente 40 km.

Em 1785 o rio foi identificado como Cabapoana ou Muribeca em uma mesma expedição, o que nos leva a mensurar que Manoel Martins do Couto Reis obteve informações diferentes através de diferentes tribos indígenas.

Em 1817  se identifica o nome "Camapuã" pela primeira vez, através de expedição de Aires de Casal, também explorando o rio a partir do litoral em direção a no máximo em Carabuçu, pois era uma época que a Coroa Portuguesa não permitia a exploração das terras limítrofes com Minas Gerais, restringindo a exploração delimitadas nas capitanias hereditárias, tanto que somente a partir de 1822 que começou o desbravamento em nossa região noroeste fluminense, com o decreto imperial da corte brasileira concedendo autorização para ocupar nossa região a partir de Varre-Sai.
A primeira expedição oficial do império no rio Itabapoana partindo da nascente na Serra do Caparaó, foi em 1865 e nela detalha duas nomenclaturas do rio, a indígena Itabapoana e a nomenclatura originada pelo homem branco denominando como "Rio Preto"

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