Memórias do Itabapoana, por Arthur Soffiati

 Desde 1546 que o rio Itabapoana é alvo de expedições e da exploração humana


Memórias do Rio Itabapoana 1

Até o momento, o primeiro europeu a deixar informações sobre o rio Itabapoana foi Pero de Góis, donatário da Capitania de São Tomé.

Em carta dirigida no dia 12 de agosto de 1545 a Martim Ferreira, seu sócio em Portugal, e em outra endereçada a D. João III, datada de 9 de abril de 1546, o capitão diz que tentou fundar uma fazenda junto ao rio Paraíba do Sul e a abandonou, rumando para o norte, nas adjacências do rio Managé (nome com que era conhecido o Itabapoana no século XVI). Ali, junto à costa, instalou um povoado com o nome de Vila da Rainha e subiu o rio cerca de sete a dez léguas, por água e por terra, abrindo um caminho para passagem de carro à tração animal. Naquela altura, junto a uma queda d’água, ergueu uma pequena fundação com engenho movido à energia hidráulica.

Bem mais tarde, no ano de 1785, o meticuloso cartógrafo e cronista militar Manoel Martins do Couto Reis registrava que o rio recebia o nome de Cabapuana ou Muribeca, com nascimento na Serra do Pico e morredouro no mar. Ele julgava que a foz, no passado, era mais ao sul, junto à Vila, da qual encontrou vestígios de construções. 

As observações de Couto Reis, assim como as informações colhidas quanto a uma barra mais ao sul da atual, são bastante esclarecedoras, pois existem dois braços partindo da foz, um à esquerda e outro à direita, que bem poderiam ser bocas do curso d’água no passado, configurando assim um delta.

Em 1817, Aires de Casal escrevia que o rio se chamava Camapuã. De Managé, como era conhecido no século XVI, o rio passou a se chamar Itabapoana, no presente, passando por Camapuã, Cabapuana ou Muribeca e outros nomes semelhantes. Certo é que, à época de Casal, já se sabia que Reritiba, e não Reritigbá, era o nome original do rio Benevente, na Capitania e depois Província do Espírito Santo, junto à foz do qual ergueu-se a cidade de Anchieta. 

Quanto à sua nascente, a cartografia não havia ainda estabilizado um conhecimento. Daí sua localização genérica na Serra do Pico, de onde viria também o rio Muriaé, pertencente à bacia do rio Paraíba do Sul.

Pedro D’Alcantara Bellegarde e Conrado Jacob Niemeyer, dois dos maiores cartógrafos do Império, produziram a talvez mais detalhada carta da Província do Rio de Janeiro, publicada em 1865. Nela, detalhes do rio Itabapoana são retratados, mas apenas do lado do Rio de Janeiro.

Os cartógrafos grafam rio Preto ou Itabapoana, dando-lhe como afluentes, pela margem direita, os rios do Ouro, da Onça e Santo Eduardo, já assinalando um canal projetado entre Santo Eduardo e a lagoa Feia do Itabapoana. Embora com um curso bem menor que o do rio Paraíba do Sul, o Itabapoana conta com uma série de desníveis em seu leito, também registrados por Bellegarde e Niemeyer: cachoeiras das Flores, da Ponta de Pedra, do Inferno e da Fumaça.

Memórias do Rio Itabapoana - 2

Consultando o "Atlas do Império do Brasil", lançado por Candido Mendes em 1868, mapa correspondente à Província do Espírito Santo, verifica-se que, a partir do rio São João, que faz divisa entre as Províncias de Minas Gerais e Espírito Santo, o rio passa a chamar-se Itabapoana, recebendo pela margem direita, como principais afluentes, os rios de Santo Eduardo e de São Bernardo, já figurando nele um canal projetado entre a foz do segundo rio e uma curva à jusante do próprio Itabapoana.

Pela margem esquerda, apareciam os rios dos Veados, do Jardim, São Pedro e Muqui (ALMEIDA, Candido Mendes de. Atlas do Império do Brasil. Rio de Janeiro: História, 2000).

Curioso é que, examinando o mapa correspondente à Província do Rio de Janeiro no mesmo Atlas, as informações mudam ou são enriquecidas. Pela margem direita do rio em estudo, figuram como tributários os rios do Ouro, da Onça, Santo Eduardo, São Bernardo e o canal projetado. Pela margem esquerda, três rios maiores aparecem, mas apenas o rio Preto é nomeado.

Figuram as cachoeiras de Ponta de Pedra e do Inferno. Junto à foz, pelo lado esquerdo, há o registro de uma lagoa sem nome no lugar ocupado outrora pela lagoa de Morobá. 

Um antigo dicionário de rios esclarece que ele banha os Estados do Rio de Janeiro, Espírito Santo e Minas Gerais, sempre uma forma antropocêntrica de conceber os rios e as lagoas, como se as unidades político-administrativas, depois de fundadas, passassem a se beneficiar de um rio ou de uma bacia hídrica que lhes seria posterior. Jamais se enuncia que as unidades administrativas e urbanas é que se estabelecem às margens de um rio.

No verbete, o dicionário prossegue explicando que as cabeceiras do rio situam-se na serra do Caparaó, com o nome de rio Preto, recebendo o topônimo de Itabapoana depois de coletar as águas do rio Verde. Com curso de 264 quilômetros, dos quais 66 navegáveis entre a foz e a vila de seu nome, corta solos cuja fertilidade é a melhor do Estado depois da capital.

Acidentado, em seu curso assinalam-se as cachoeiras de Santo Antônio, Inferno, Limeira e Fumaça, esta última com 100 metros de altura. Observa ainda que sua largura média oscila em torno de 65 metros, com profundidade mínima de 1,80 m.

Margeado por terras excelentes para o cultivo de café e de cana, assim como para a pecuária, todo o vale é relativamente bem cultivado e movimentado. Seu destino é o oceano Atlântico, com desembocadura entre a lagoa de Morobá e a ponta das Arraias (ROCHA, João Clímaco da. Dicionário Potamográfico Brasileiro. Rio de Janeiro: s/e., 1958). 

Memórias do rio Itabapoana - 3

O Projeto RadamBrasil (1983) mostra que o curso superior do rio Itabapoana corre na zona cristalina. O baixo curso construiu uma considerável planície ladeada por formações rochosas, pelos tabuleiros do norte do Estado do Rio de Janeiro e do sul do Espírito Santo e ainda pela restinga de Morobá ou das Neves. 

Esta planície apresenta nuances. Na parte mais interior, assume a fisionomia de um terraço fluvial em plano levemente inclinado. Na parte central, o rio corre numa planície fluvial resultante da acumulação de sedimentos e sujeita a inundações.

No trecho final, as influências fluviomarinhas criaram uma área plana resultante de processos de acumulação produzidos pelo rio e pelo mar. É nesta área que se desenvolveram a chamada Lagoa Feia do Itabapoana e o manguezal.

Para completar esta breve tentativa de tradução e interpretação da formação geológica, geomorfológica e topográfica do vale do Itabapoana, Martin, Suguio, Dominguez e Flexor chamam a atenção para a antiguidade dos depósitos arenosos da costa norte do Estado do Rio de Janeiro. Dizem eles: “No setor compreendido entre a foz do rio Itapemirim e Guaxindiba, os depósitos arenosos pleistocênicos atingem um desenvolvimento notável somente no vale do rio Itabapoana.

Na planície situada na desembocadura do rio Paraíba do Sul, os depósitos arenosos pleistocênicos são bem desenvolvidos, sobretudo na porção sul, entre Barra do Furado e Macaé. A altitude da parte externa deste terraço é pequena e a partir da lagoa de Carapebus, as areias da praia atual (único testemunho de depósitos holocênicos) transgridem sobre as areias pleistocênicas.

A presença de cristas praias na superfície dos depósitos arenosos pleistocênicos indica que esses terraços não foram afogados durante a última transgressão, sugerindo que essa zona tenha sofrido subsidência durante os últimos milhares de anos, isto é, após 5.100 A.P.”

Assim, o rio Itabapoana, em seu curso final, é bem mais antigo que o rio Paraíba do Sul também no seu trecho derradeiro. Cumpre observar ainda que, embora a foz do Itabapoana seja representada na cartografia como um estuário simples, de um só braço a desembocar no mar, existem mais dois laterais, à direita e à esquerda, como a configurar um pequeno delta.

O braço à direita foi registrado pelo geólogo canadense Charles Frederick Hartt em 1870. O da esquerda aparece na Folha SF-24-H-I-3, do IBGE, em escala 1:50.000, correspondente a Itabapoana, como um pequeno lago paralelo à costa. Tudo indica que ambos desembocavam no mar e acabaram fechados pela energia marinha.

Memórias do Rio Itabapoana - 4

Um dos diplomas legais mais afinados com os ensinamentos da ecologia é o Decreto Federal nº. 750, de 10 de fevereiro de 1993. Ele toma por base o Mapa de Vegetação do Brasil, IBGE/IBDF (1988), e insere a mata atlântica, com suas especificidades, num contexto maior denominado Domínio Atlântico, do qual fazem parte a floresta ombrófila densa atlântica, a floresta ombrófila mista, a floresta ombrófila aberta, a floresta estacional semidecidual, a floresta estacional decidual, as formações vegetais nativas de restinga, os campos de altitude, os brejos interioranos, os encraves florestais nordestinos e os manguezais.

Assim como não se pode conceber a floresta ombrófila densa atlântica, comumente chamada de mata atlântica, desvinculada de seu contexto, não se pode também conceber um manguezal desarticulado de outros ecossistemas, sejam eles ecossistemas terrestres, ecossistemas aquáticos continentais e ecossistemas marinhos. 

O manguezal, em parte da costa nordeste e sul e em toda a costa sudeste, tem, em sua retaguarda, o Domínio Atlântico. Na Amazônia, há outro bioma a alimentá-lo. O mesmo se pode afirmar para os manguezais de outros continentes. Como estamos tratando do manguezal do Rio Itabapoana, não podemos prescindir dos ecossistemas que lhe dão suporte.

Os que margeavam o rio Itabapoana eram a vegetação nativa de restinga de Marobá ou das Neves, pela esquerda, e a floresta estacional semidecidual em ambas as margens e em sua retaguarda. Os naturalistas que melhor descreveram esta formação florestal, no vale do Itabapoana, foram Maximilano de Wied-Neuwied e Auguste de Saint-Hilaire, ambos reforçados pelo barão suíço Johann Jakob von Tschudi. Ao cruzar esta floresta, vindo de Campos em direção ao Espírito Santo e à Bahia, em 1815, Maximiliano ficou fortemente impressionado pela escura e imponente marta virgem, com suas belas plantas e sua fauna. 

Após atravessar a densa floresta, o príncipe divisou "um quadro encantador da majestosa solidão, às margens do Itabapoana, que, como uma fita de prata, vai coleando entre as selvas umbrosas, e corta a planície verdejante."

Pouco mais à montante, Freyreiss e Sellow, dois grandes naturalistas alemães que acompanhavam a comitiva do príncipe, encontraram um bando de lontras caçando nas águas fluviais sem se importarem com a presença dos humanos. Por estarem em atividade durante o dia, talvez fossem ariranhas, espécie extinta regionalmente, e não lontras, ainda encontradas.

Também a voz possante do macaco roncador e roufenha do sauí-açu foram ouvidas na selva luxuriante.

Memórias do Rio Itabapoana – 5

O naturalista francês Auguste de Saint-Hilaire, em 1818, confirma as informações do príncipe Maximiliano de Wied-Neuwied, que passou pelo norte fluminense em 1818. Depois de deixar a praia de Manguinhos, limite setentrional da maior restinga da região, ele mergulhou numa luxuriante mata percorrida três anos antes pelo príncipe naturalista.

Suas impressões são similares. Muito tempo custou para que o botânico francês chegasse à margem direita do Rio Itabapoana. Por fim, o diplomata e naturalista suíço J.J. Tschudi, proveniente do Espírito Santo, dá notícia de ter atravessado o Itabapoana num trecho bastante largo e de ter caminhado quatro horas no interior da mata virgem.

É no contexto do planalto, do tabuleiro e da restinga que se deve inserir a planície fluvial e fluviomarinha do rio Itabapoana. É no contexto da floresta estacional e da vegetação psamófila costeira que se deve incluir o manguezal, pois que, ao lado da influência marinha, ele recebe do rio e da sua vegetação envolvente os nutrientes que serão processados em seu interior para sua sustentação e dos seres que abriga.

Originalmente, o manguezal do Rio Itabapoana deveria alcançar uma grande extensão da foz para montante, apenas superada pelo manguezal do Rio Paraíba do Sul na região. Nenhum relato antigo a seu respeito foi deixado por residentes no Brasil ou por viajantes estrangeiros.

Parece que só a escuta atenta do ecossistema com aparelhos de precisão vai nos permitir a reconstituição de sua fisionomia primeva. Se julgarmos que a foz do rio ou sua planície fluviomarinha esteve relativamente protegida da última grande elevação do nível do mar, há 5.100 antes do presente, podemos imputar ao manguezal que ali se desenvolveu idade bastante antiga. As informações mais remotas sobre ele, contudo, devem estar mais nos sedimentos e no pólen que nos documentos deixados por seres humanos.

Outro caminho que se nos abre é o da projeção para o passado a partir do que restou no presente. Neste sentido, é de se notar que a língua salina das marés penetra alguns quilômetros rio acima, criando condições para a expansão, o enraizamento e o desenvolvimento de um manguezal tipicamente ribeirinho, conforme tipologia de Lugo e Snedaker modificada por Cintrón em colaboração com outros pesquisadores. Lê-se, num clássico trabalho de síntese, que este tipo de manguezal se desenvolve ao largo das margens dos rios, freqüentemente até o ponto aonde chega a máxima intrusão salina.

Neste ambiente, os fluxos de água são intensos e as águas são ricas em nutrientes e ambos os fatores conduzem a um alto grau de desenvolvimento da vegetação. Estes manguezais não têm problemas de acumulação de sais ou falta de nutrientes já que os fluxos de água doce são contínuos ou quase contínuos e a energia cinética da água contribui para a oxigenação e dissipação de substâncias nocivas.

Memórias do Rio Itabapoana – 6

Manguezal é um ecossistema vegetal cujas plantas adaptaram-se à água salobra. Assim, é muito comum encontrá-lo nas desembocaduras dos rios que deságuam no mar. Como este é o caso do Rio Itabapoana, existe um manguezal em sua foz, outrora pujante; hoje, debilitado pela ação humana.

Pelas amostras existentes num remanso do lado fluminense e de um braço no lado capixaba da foz do rio, é de se supor que o manguezal apresentasse consideráveis dimensões no passado. Ele deveria contar (pois ainda conta) com altaneiros exemplares de siribeira, com uma boa população de mangue vermelho e com um extenso bosque de mangue branco, a espécie dominante, talvez pelo elevado grau de interferência humana.

Nos dois canais que partem do rio e correm paralelos à costa, um no Espírito Santo e outro no Rio de Janeiro, também remanescem traços da pujança passada.

Segundo pescadores residentes em Barra do Itabapoana, o manguezal cobria, antigamente, uma área bem maior do que a atual. Aliás, este comentário é comum a todos os manguezais do norte fluminense. Norma Crud e Dorothy Sue Dunn de Araujo, no trabalho intitulado “RT 1123 Relatório Técnico sobre Manguezal”, observaram, quanto ao manguezal do Rio Itabapoana, que a siribeira é o mangue dominante.

Na verdade, essa conclusão parte do seu porte elevado, que nos dá a impressão de prevalecer sobre as outras árvores quantitativamente. A espécie dominante é mesmo o mangue branco.

Em outro relatório, este proveniente do Espírito Santo, suas autoras foram lacônicas, identificando apenas um bosque ribeirinho do lado capixaba constituído de mangue vermelho, mangue branco e mangue preto ou siribeira, sendo que exemplares desta última espécie foram encontrados a 3,5 km da foz (Cláudia Vale e Renata Ferreira Diniz.

“Os Manguezais do Espírito Santo”. Vitória/Universidade Federal do Espírito Santo/Departamento de Geografia, 1995). A bem dizer, a espécie de siribeira que ocorre neste manguezal é a Avicennia germinans e não A. schaueriana, como bem notaram Norma Crud e Dorothy Araújo.

E isto é tudo de que dispúnhamos sobre o manguezal do Rio Itabapoana. Por esta razão, decidi empreender meu estudo a partir dos próprios elementos fornecidos pelo manguezal, conforme expus em meu livro intitulado “Entre Câncer e Capricórnio: Argumentos em Defesa dos Manguezais do Norte do Estado do Rio de Janeiro – Brasil”. Rio de Janeiro: Xerox do Brasil, 1999.

Mais recentemente, foram empreendidos dois estudos sobre o manguezal do Rio Itabapoana pelo prisma da ecologia. Ambos são trabalhos acadêmicos.

O primeiro é de autoria de Elaine Bernini e Carlos Eduardo Rezende, com o título de “Variação estrutural em florestas de mangue do estuário do rio Itabapoana, ES-RJ”. (Revista Biotemas 23, 1http://periodicos.ufsc.br/index.php/biotemas. Florianópolis: Editora da Universidade Federal de Santa Catarina, março de 2010).

O segundo foi redigido por Tássia Chagas e intitula-se “Produção de serrapilheira ao longo do gradiente de inundação em florestas de mangue no estuário do rio Itabapoana” (Campos dos Goytacazes: Universidade Estadual do Norte Fluminense Darcy Ribeiro, 2012. monografia de licenciatura).

Memórias do Rio Itabapoana – 7

As intervenções humanas sobre ambientes necessários à saúde do manguezal do Rio Itabapoana afetam diretamente este ecossistema Estamos falando do mar, do rio e das formações vegetais nativas contíguas.

Comecemos pelas ações no rio. Já no século 19, estava projetado um canal ligando um ponto do baixo curso do Itabapoana a outro, de modo a suprimir meandros e brejos, encurtando o trecho navegável. Este projeto aparece com clareza na Nova Carta Corográfica da Província do Rio Janeiro feita por Pedro D’Alcantara Bellegarde e Conrado Jacob de Niemeyer, publicada no Rio de Janeiro, em 1865, por Eduardo Bensburg.

O canal também aparece no mapa da Província do Rio de Janeiro, que integra o Atlas do Império do Brasil, de autoria de Candido Mendes de Almeida (Rio de Janeiro: Arte & História, 2000). 

Com o fim de submetê-lo aos imperativos de atividades econômicas agropecuárias ou de domesticá-lo para não causar, com suas cheias, danos a núcleos urbanos, lemos em Exaguamento e Drenagem para Recuperação de Terras e Defesa contra Inundações em Regiões e Cidades Brasileiras (Rio de Janeiro: Departamento de Imprensa Nacional, 1949), relatório do Departamento Nacional de Obras e Saneamento (DNOS), que a representação deste órgão, no Estado do Espírito Santo, foi criada em 1944, de pronto executando obras em afluentes do Rio Itabapoana e no Rio Novo, com excelentes resultados para o aproveitamento de terras. A parte sul do Estado foi a mais aquinhoada pelo DNOS.

Uma planta sintetizando os serviços de engenharia hidráulica realizados pela Comissão de Saneamento da Baixada Fluminense, criada pelo Governo Federal em 1933, e por seu sucessor, o DNOS, até fins de 1950, mostra que o grosso das intervenções concentrava-se na margem direita do Rio Paraíba do Sul.

Nenhum trabalho está assinalado na bacia do Rio Itabapoana em sua vertente fluminense. O canal projetado não fora ainda construído.

Onze anos depois, o DNOS encomendou ao Escritório Hildalius Cantanhede Engenharia Civil e Sanitária Sociedade Limitada um levantamento do Vale do Itabapoana para fins de dragagem, retificação e sistematização, além de outras obras necessárias a sua regularização e a um melhor aproveitamento de suas águas e terras.

Em suas 42 folhas na escala de 1:20.000, o manguezal vem assinalado nas folhas 1 (primeira parte da planta de conjunto), 2 e 3. Sem muitos detalhes, ele aparece sob a designação simples de mangue, principalmente no lado do Espírito Santo, onde, até hoje, apresenta-se menos danificado. Junto à foz, pela margem esquerda, foi registrado o canal capixaba do rio com o vocábulo gamboa, que significa braço remansoso.

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A empresa de engenharia Hildalius Cantanhede fez, para o Departamento Nacional de Obras e Saneamento, um trabalho de cartografia intitulado Rio Itabapoana - levantamento em escala 1:20.000, datado de 1961.

Concentrando-se apenas nos aspectos relacionados à engenharia, o trabalho assinala brejos, valões, córregos, rios, fragmentos de mata, capoeiras, lavouras, pastagens e concentrações humanas, sem, contudo, nomeá-las.

O canal projetado no século XIX, pela visão euclidiana da engenharia sanitária e do DNOS, tinha alcance mais amplo do que simplesmente facilitar a navegação num trecho bastante sinuoso do rio Itabapoana. Ele visava também drenar toda uma zona altamente pantanosa para colocar terras férteis à disposição de proprietários rurais e levar água a partes afastadas do rio.

Tudo em benefício da agropecuária e da agroindústria açucareira.

No ano seguinte, o mesmo escritório promoveu o levantamento do ribeirão de Santo Eduardo, um dos afluentes do baixo curso do Itabapoana às margens do qual se instalou a Usina Açucareira de Santa Maria, hoje desativada.

A finalidade era a mesma: canalizar o ecossistema para subordiná-lo aos interesses da agropecuária e da agroindústria sucro-alcooleira (Valão de Santo Eduardo – Levantamento em escala 1: 5.000, 1962).

Na década de 1960, a bacia do Itabapoana entra definitivamente no plano de obras do Departamento Nacional de Obras e Saneamento. O topógrafo Divaldo Carvalho, que trabalhou primeiro no Escritório Hildalius Cantanhede e depois no Departamento Nacional de Obras e Saneamento, salienta a necessidade de rasgar-se um canal paralelo ao baixo curso do rio Itabapoana, nascendo e morrendo nele, para drenar uma área excessivamente encharcada.

Nasceu, assim, o canal de Todos os Santos. No acervo da representação do órgão no Rio de Janeiro, algumas fotos tomadas em 1967 retratam a situação da bacia. Uma delas registra cheia colossal do rio.

Tais efusões caóticas da natureza eram incompatíveis com a geometria euclidiana do órgão, que se outorgou o papel de ordenador do caos e de instituir o cosmo. As outras fotos mostram a retificação de um trecho do Itabapoana no município capixaba de Guaçuí.

Hoje, o antigo pantanal às margens do rio Itabapoana ainda é conhecido por Lagoa Feia do Itabapoana. Outrora, foi um ecossistema de alta biodiversidade e produtividade biológica. Hoje, só nas grandes cheias ele volta a mostrar a cara, mas não com a mesma força do passado.

EM BREVE!

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